segunda-feira, 10 de maio de 2010

CHACOTA MODERNA



Termo bullying surge para designar intimidações e provocações conhecidas há tempo, mas com postura agressiva e consequências drásticas para a vítima.


Por Daniel Ottoni, Adriana Ferreira e Ana Carolina Dias


É bem provável que você conheça alguém que tenha sofrido algum tipo de violência psicológica ou física na infância. Devido às características singulares deste tipo de prática na atualidade, a ação recebeu a denominação de bullying. “São condutas que aparecem de forma anti-social com agressões e intenção deliberada de intimidar, provocar, constranger, expor, ridicularizar, humilhar, difamar, excluir e maltratar. O agressor busca seu alvo com a intenção de ferí-lo no que ele tenha de mais sensível”, explica a psicopedagoga Vânia Rasuk.


Uma das especificidades do bullying é a agressividade gerada pela vítima, depois de repetidas e insistentes provocações, que variam de forma, conteúdo, local e público.


“Pesquisas recentes têm sinalizado que a escola é um ambiente propício para a prática do bullying, visto que agrega pessoas diferentes, com valores e condutas diversificadas. A escola tem sido um espaço onde esta prática é intensa e constante”, analisa Rasuk. “A escola passa a ser um ambiente ameaçador e o aluno rejeita frequentar as aulas”, aponta a profissional.


O bullying fere princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana. O Código Civil brasileiro determina que a vítima que sofrer ato ilícito causador de algum tipo de dano, deve ser indenizada. O Código de Defesa do Consumir também se enquadra no contexto, uma vez que as escolas são prestadoras de serviços e responsáveis pelo que acontece dentro das instituições de ensino.


"A prática dessa violência está presente em todas as escolas, particulares ou públicas. E o mais grave é que as pessoas não mensuram o dado dessa ação na vida dos alunos, principalmente quando a agressão é psicológica. Apelidos e preconceitos contra o físico do colega acontecem diariamente. Porém, os alunos que sofrem essa ação raramente fazer a queixa”, afirma a diretora de uma das escolas estaduais de Ribeirão das Neves, que não quis se identificar. “Quando a agressão é física, há uma interferência mais rigorosa da escola, levando até a expulsão desse agressor e o encaminhamento ao conselho tutelar. Já quando isso é feito de forma oral, muito embora também seja agressão, não há, quase sempre, uma punição determinada a esse aluno”, completa.

Uma boa forma de resumir o termo foi abordada pelo cientista sueco Dan Olweus, que define bullying de três formas: o comportamento é agressivo e negativo; o comportamento é executado repetidamente e o comportamento ocorre num relacionamento onde há um desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas.

Existem duas formas de se praticar o bullying: uma direta, normalmente praticada por pessoas do sexo masculino. Neste caso, vítima e agressor se relacionam de forma direta, através de agressões físicas e verbais. No bullying indireto, a exclusão pode ser a forma mais apropriada de resumir este tipo de agressão. Neste caso, a vítima dificilmente se relaciona com os agressores, que denigrem a imagem do colega através da imposição de apelidos, exclusão dentro e fora da sala de aula e críticas que se espalham rapidamente por toda a escola.


O sofrimento para a vítima pode ser indescritível, apesar de invisível a olho nu. As vítimas, muitas vezes, têm uma grande vontade de ‘dar o troco na mesma moeda’. Em alguns casos, a retaliação excede qualquer limite (veja retranca no final da matéria).


O estudante de 7 anos Carlos Eduardo sofre com as brincadeiras dos colegas. "Eles inventaram um apelido porque sou gordinho. Eu não gosto quando me chamam de ‘rodela’. Mas não adianta nada ficar com raiva, porque eles continuam falando mais ainda. As minhas professoras falam que é pra eu não ligar pro que eles estão falando”, admite o garoto.


Nos dias atuais, a tecnologia tornou-se uma ferramenta de grande importância e ajuda para quem gosta de praticar o bullying. Orkut, Facebook, MSN e até Twitter são usados para divulgar os apelidos, ameaças e brincadeiras sem graça. É o chamado cyber bullying. Sua grande diferença é o anonimato dos agressores.


O silêncio por parte de quem sofre é um dos agentes que motiva a continuidade do ato agressivo. A criança, muitas vezes, tem vergonha de se manifestar e acabar, mesmo que de forma indireta, admitindo que sofre e se incomoda com as manifestações. A escola e os pais acabam não tendo conhecimento do fato, o que prolonga e aumenta o sofrimento da vítima.


Foi o caso do filho da tradutora Valéria Mendonça. Durante meses, seu filho mostrou um comportamento estranho, como isolamento, depressão e falta de apetite. “Somente com muita conversa, ele nos revelou as ameaças e agressões que sofria. Em uma das oportunidades, ele teve suas duas mãos colocadas dentro de um vaso sanitário. Os agressores o ameaçavam dizendo que ele sofreria mais ainda se denunciasse o caso”, lembra a mãe. Depois de várias consultas ao psiquiatra, o comportamento do garoto voltou ao normal.


Mariana Barbosa é estudante de Letras e estagiária de uma escola pública infantil. Ela comenta o que vê no seu dia-a-dia. “Eu não vejo muito esta prática nas salas de primeiro ciclo, entre 5 e 7 anos. Já com os alunos de 9 a 11 anos isso é mais comum. Ocorrem até agressões físicas. No curso de Letras, durante as aulas de psicologia, a gente recebe a orientação do que devemos conversar com estes alunos”, informa a estudante.


Apesar do medo dos alunos de procurar ajuda, é essencial que as vítimas do bullying manifestem sua situação. Além da punição para os infratores, é necessário que um acompanhamento psicológico seja feito com a vítima. O agressor também necessita de cuidados psicológicos. “É importante ressaltar que o agressor apresenta um desvio de conduta evidente”, comenta Rasuk.


Uma situação como esta pode durar meses ou até anos. O caso mais comum é a mudança da criança para outra escola, em busca de novos contatos. Mas há a possibilidade do problema ser encarado, quando o fato é de conhecimento público. As consequências do bullying são desastrosas, quando as escolas se negam a reconhecer o problema: “algumas delas são a evasão escolar, ambiente tenso, indisciplina, e queda na qualidade do ensino”, pontua a psicopedagoga.


Rasuk aponta ainda algumas propostas que as escolas podem realizar como precaução. “Fazer trabalhos (de qualidade) preventivos de forma dinâmica e interativa envolvendo o corpo docente, discente e a família e tornar pública a filosofia do trabalho, reafirmando os valores da ética e da moral são algumas idéias”, aconselha.


A adaptação e o medo de sofrer um novo bullying são alguns dos obstáculos que a criança terá que superar. O apoio da família em um momento como este pode ser o fator diferencial para uma evolução e uma formação mais apropriada da personalidade. Em casos de insucesso, a criança pode ser tornar insegura, medrosa e facilmente influenciável, principalmente em uma situação de pressão, cobrança e responsabilidade.



BULLYING INTERNACIONAL


A dificuldade em aceitar este tipo de agressão já rendeu tragédias. Em países como Estados Unidos e Alemanha, verdadeiras chacinas foram provocadas contra a vida de estudantes, professores, diretores e funcionários. Todos os casos envolvem como autor criança ou adolescente que era conhecido por ser tímido, distante e oprimido.


Um dos casos que gerou grande repercussão aconteceu em San Diego, Califórnia, com Charles Andrew Williams, de 15 anos. Charles abriu fogo contra vários colegas. Dois morreram e treze ficaram feridos. O biótipo físico frágil do garoto facilitava as brincadeiras e provocações por parte dos outros alunos da escola. Como forma de se vingar, Charles decidiu fazer justiça com as próprias mãos. Dias antes do ocorrido, testemunhas chegaram a informar que o garoto avisou que iria à escola armado, poucos dias depois. Estudo feito pelo governo dos EUA mostra que este tipo de ocorrência tem aumentado consideravelmente nos últimos anos.


O suicídio é o caso mais extremo neste tipo de situação. Foi o que aconteceu em março deste ano, quando Phoebe Prince, uma adolescente de 15 anos se matou na cidade de South Hadley, em Massaschussetts.


A jovem irlandesa havia mudado para os EUA recentemente. Nove colegas da escola foram indiciados pela justiça americana, acusadas de praticar o bullying contra a garota. O motivo provável é a justiça feita por um colega, que teve um rápido relacionamento com a jovem irlandesa. Como o namoro não deu certo, o rapaz procurou formas covardes de externar sua ira e descontentamento.


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