quarta-feira, 5 de maio de 2010

INOCENTE BRINCADEIRA?

Hélder Tavares: violência nas escolas



Ser adolescente nunca foi fácil, mas parece que nos últimos anos tem ficado mais difícil. Uma série de problemas que antes estavam restritos ao ambiente dos adultos hoje povoam a cabeça e o dia a dia de adolescentes e até crianças. Depressão, síndrome do pânico, obesidade, bulimia, transtornos alimentares, deficit de atenção, bullying - esses são apenas alguns dos problemas enfrentados pelos adolescentes. É preciso confessar que algumas questões não são tão novas assim. Pelo contrário, são problemas antigos, que só agora passaram a ser tratados como tal. O bullying se enquadra nesse caso.

Inicialmente, vale esclarecer que bullying é uma palavra de língua inglesa que significa valentão. No entanto, no meio acadêmico significa “todo o tipo de atitudes agressivas, verbais ou físicas, praticadas repetidamente por um ou mais estudantes contra outro aluno”, segundo a psicopedagoga Maria da Consolação Oliveira. Quem na infância ou adolescencia não conheceu um valentão , que criava atrito com os alunos mais fracos, mais inteligentes, mais tímidos, ou seja, qualquer um que apresentasse uma fragilidade que pudesse ser explorada. Ocorre que hoje em dia esses valentões são conhecidos como bully e os professores não encaram mais suas piadas, críticas e agressividade como meras brincadeiras de mau gosto.

Ao redor do planeta se multiplicam casos de adolescentes que tentaram ou cometeram suicídio, após meses ou anos de abusos por parte de colegas de escola. Claro que essa é uma das consequências mais graves do bullying. Mas não há dúvida de que os que sofrem o bullying acabam desenvolvendo problemas psíquicos muitas vezes irreversíveis. Outros transtornos comuns às vítimas de bullying são a evasão escolar, o baixo rendimento acadêmico, o isolamento e a depressão.

No Brasil não é diferente. De acordo com pesquisa divulgada no dia 14 de abril de 2010, pela organização não-governamental (ONG) Plan Brasil, quase um terço dos estudantes brasileiros entre a 5ª e a 8ª séries do primeiro grau já sofreram maus tratos. Ainda de acordo com a mesma pesquisa, 28% dos 5.168 estudantes entrevistados para a pesquisa foram agredidos em 2009. O mesmo estudo constatou que a forma mais comum desse tipo de violência no Brasil é a cibernética, a partir do envio de e-mails ofensivos e difamação em sites de relacionamento como Orkut, dados que preocupam os educadores e devem deixar em alerta os pais, que na maioria das vezes são os últimos a saberem dos problemas dos filhos.

Na região metropolitana de Belo Horizonte, o problema também é recorrente e tem despertado atenção especial por parte das escolas. Segundo a orientadora escolar, Sandra Aníbal, que trabalha diariamente em escolas municipais de Betim como a Frei Edgard Groot e Edir Terezinha de Almeida Fagundes, “organizamos palestras com os pais, porém, o mais eficaz para nós tem sido orientar os próprios alunos e envolvê-los em projetos de cidadania, mostrando e discutindo sobre seus direitos e deveres no convívio social.” No entanto, a orientadora Sandra Aníbal relata um dado preocupante, por exemplo, no município de Betim. Ali, as escolas públicas não têm como oferecer acompanhamento psicológico aos alunos. Desta forma, quando detectam um caso de violência escolar conversam com os alunos envolvidos, convocam os pais, relatam os fatos e pedem para que eles encaminhem os alunos para um psicólogo. Infelizmente, nesses casos, as vítimas e agressores só terão acompanhamento se sua família tiver condições para arcar com um tratamento particular.

Renata Martins, hoje com 31 anos, jornalista em São Paulo, foi vítima de bullying quando tinha 15 anos. Naquela época, os professores não davam muita atenção para isso, pelo contrário, alguns até incentivavam as hostilidades contra ela e a irmã. Segundo Renata, que é paulista, ela e a irmã moraram durante dois anos no nordeste e depois se mudaram para a cidade de Taquara, no Rio Grande do Sul. Na época, havia um grande preconceito contra nordestinos no estado, motivado pelo movimento separatista que queria tornar o Sul um país. Elas foram estudar em uma escola privada, Colégio Santa Teresinha, e assim que chegaram passaram a ser identificadas como nordestinas e sofrerem todo o tipo de preconceito, inclusive por parte dos professores que chamavam os nordestinos de “preguiçosos”. A jornalista se lembra que, “uma vez saiu da sala para o intervalo e na volta havia escrito no quadro: SEPARATISMO JÁ... FORA NORDESTINOS!” Ainda de acordo com Renata, a única providência tomada pela escola foi encaminhá-la para a psicóloga do colégio, mas não sabe se tentaram conversar com os alunos que as discriminavam. Naquela época, esse tipo de comportamento não era visto como violência pelas escolas.

Embora, hoje as escolas já encarem a situação de forma diferente, infelizmente, segundo a psicopedagoga Maria da Consolação, os professores ainda não estão devidamente preparados para distinguir entre uma brincadeira inocente e um caso de bullying. Ainda de acordo com Maria da Consolação, só recentemente as escolas passaram a ver o lado humano dos alunos, pois antes privilegiavam apenas os aspectos acadêmicos, criando um ambiente extremamente competitivo e hostil que incentivava de certa forma o bullying. Tanto quem pratica, quanto quem sofre a violência, possuem problemas semelhantes, baixa auto-estima, sentimento de inadequação, de não corresponder às aspirações da família e da sociedade, a única diferença é que quem pratica adota uma posição agressiva como forma de se sobressair, de sobreviver, enquanto quem sofre são indivíduos extremamente frágeis, que não conseguiram criar nenhum instrumento de defesa.

Muitas vítimas de bullying acabam tornando-se depressivas, em virtude dos abusos, do isolamento social e da incompreensão da sociedade e da família. No entanto, a depressão na adolescência não é apenas uma consequência da violência escolar. Ela também pode surgir por uma série de fatores, como uma desilusão amorosa, excesso de responsabilidades ou cobranças dos pais. Antigamente, a depressão era vista como doença de rico, mas esse quadro mudou e hoje em dia afeta milhares de crianças e jovens de classe média baixa. Assim como o bullying a depressão pode levar a morte. Vejam como é indispensável o apoio dos familiares para a cura desse mal, na reportagem a seguir.


DEPRESSÃO NA ADOLESCÊNCIA

A importância de conversar com os adolescentes sobre
a doença e a necessidade de procurar um médico.
Cepai/Fhemig: ajuda para adolescentes e crianças

A depressão na adolescência vem sendo considerada um sério problema de saúde pública, particularmente pelo seu alto grau de mortalidade (suicídio), precocidade e por sua consequência com demais transtornos psicopatológicos. De acordo com a literatura médica, existem vários fatores de risco associados à depressão por exemplo, idade, nível sócio-econômico, falta de suporte social e gênero. Atingindo adolescentes de qualquer raça.

A depressão infantil ou até mesmo na adolescência, não é diagnosticada somente pela tristeza e outros sintomas típicos. A depressão nas crianças e adolescentes é identificada também de sintomas físicos, tais como fatiga, perda de apetite, diminuição da atividade, queixas inespecíficas, como cefaleias, lombalgia, dor nas pernas, náuseas, vômitos e até mesmo tonturas.

Renata Cristiane Marciano, psiquiatra de crianças e adolescentes que atende no Centro Psíquico Pedagógico da Infância e Adolescência (Clínica de reabilitação psicológica que trata do sofrimento), em Belo Horizonte, explica que na maioria das vezes não há motivos específicos para o adolescente ter depressão. “As causas da depressão são orgânicas e não estão habitualmente associado às condições sócio-econômicas. Qualquer adolescente pode ficar depressivo, e pode haver uma predisposição genética.”

O psiquiatra Roberto Marinho explica, que na esfera do comportamento, a depressão na infância e adolescência pode causar deterioração nas relações com os demais familiares e colegas, perda de interesse por pessoas e isolamento. As alterações cognitivas da depressão infantil estão principalmente relacionadas à atenção. Raciocínio e memória interferem sobremaneira no rendimento escolar.

Em 2006, Antonio Gomes, com 14 anos, terminou seu primeiro namoro. Para os familiares estava tudo normal, não se preocuparam com o fato do menino ter tido sua primeira rejeição amorosa. Sua mãe, Mariana Martins, começou a se preocupar com o filho. Quando percebeu que o menino havia se afastado dos amigos e se isolou de todos e ficava todo o tempo chorando, “percebi que meu filho precisava de ajuda, quando se trancou no quarto e não queria comer nada, emagreceu cinco quilos em duas semanas, e a sua fisionomia já estava como de uma pessoa doente. Eu, que já tinha passado por uma situação semelhante com minha irmã, decidi que era o momento de procurar ajuda médica.”

A difícil tarefa da mãe foi convencer o menino a se tratar, inclusive com remédios, pois Antonio não aceitava o que estava acontecendo com ele. “Depois que meu namoro acabou, eu não tinha vontade de ver ninguém. Muitas vezes meus amigos me procuravam, mas eu pensava que todos tinham culpa do que estava acontecendo comigo e fiquei muito agressivo. Aí eles foram se afastando de mim”, relatou o menino que conclui dizendo que neste período sentiu vontade de suicidar. “Eu ouvia várias críticas, principalmente de quem vive ao meu redor. A minha família ao mesmo tempo em que me ajudavam, me criticavam muito. Eles mesmos não queriam aceitar o que eu estava passando. Pensava em suicidar todos os dias, sabia que precisava de ajuda, que sozinho eu não iria conseguir, mas ao mesmo tempo não tinha força pra procurar ajuda. Por isso acho que sem os meus pais, não estaria curado da depressão.”

Segundo o psicólogo Gilberto Fonseca, os familiares têm papel fundamental na recuperação dos adolescentes principalmente no início da doença, até que seja detectada a depressão. "Geralmente, os pacientes não querem se tratar, o indivíduo tem dificuldade em se abrir. Eles acham que os outros não entendem o que estão passando, além disso, podem estar envergonhados com o que está acontecendo, podem também achar que não vale a pena se abrir, porque não vai adiantar nada, e resolvem se calar”, declara o psicólogo. Ele enfatiza a importância de conversar com os adolescentes sobre depressão e a necessidade de procurar um médico assim que a família detectar o problema.

De acordo com a psiquiatra Roberto Marinho, ter um filho adolescente com depressão não é o fim do mundo, pois ele poderá ficar curado caso ele se sinta amparado. “Nos casos mais graves, o medicamento usado é antidepressivo, que vai amenizar a dor excessiva e a sensação de desespero, não acabando totalmente com a dor, mas controlando seus sentimentos ou ressentimentos. Dependendo do grau da depressão, não é necessário usar antidepressivos, só com a psicoterapia e terapia familiar, já conseguimos resolver o problema" diz o Psiquiatra.

Segundo a Dr. Renata uma depressão leve não tratada, ou tratada de forma inadequada, pode se agravar afetando definitivamente a qualidade de vida do paciente, com todas suas possíveis conseqüências. Por isso, deixamos sempre em alerta os pais, que acompanham o tratamento dos seus filhos.

O tempo mínimo de tratamento são quatro meses. No caso do Antonio, foram necessários dois anos, para se sentir preparado para encarar o mundo. “Agora vou estudar muito pra ser médico, continuar meu curso de inglês, participar de campeonatos de skate, namorar bastante (porque ainda sou muito novo) e no futuro vou construir minha família.

No bullying, ser diferente é o problema

Maria da Consolação Oliveira é pedagoga e mestre em psicologia. Professora há 30 anos no Centro Universitário Belo Horizonte – UNI-BH, já ministrou aulas em quase todas as graduações e atualmente leciona nos cursos de pedagogia e medicina. Tanto no mundo acadêmico, quanto em seu consultório, Maria da Consolação atende regularmente adolescentes e jovens vítimas de bullying. A seguir, a psicóloga esclarece diversas questões relacionadas à violência escolar. Confira.

O que é bullying?

Bullying é um termo inglês, que remete à figura do valentão, aquele que quer bater em todo mundo na sala de aula. Mas academicamente falando, bullying são os atos de violência física ou psicológica, os quais são praticados com intencionalidade, de forma repetida. Podem ser praticados por um indivíduo sozinho, ou por um grupo, formando as chamadas gangues.

Qual o perfil do adolescente que pratica bullying?

É aquele valentão que vai tentar constranger o outro, sempre através de uma relação de poder. Por isso ele escolhe sua vítimas dentre as pessoas que vão permitir que ele pratique esse poder.

Qual o perfil da vítima de bullying?

Os pais, em várias ocasiões, na ânsia de valorizar seus filhos, os sobrecarregam com exigências exacerbadas. Muitas vezes a criança não consegue atingir as expectativas familiares e inicia um processo de baixa auto-estima. Esses indivíduos são as vítimas preferidas.

Alguns pesquisadores acreditam que as pessoas que praticam bullying o fazem em virtude de uma propensão genética para a psicopatologia. Qual a sua posição sobre isto?

Na minha opinião, mesmo que tivesse essa potencialidade orgânica, é o ambiente o responsável por ser o disparador ou não do comportamento violento. Então, se você vai para um ambiente muito ameaçador, muito hostil, como forma de sobreviver, tem que aderir à lei do mais forte. Essas crianças e adolescentes vão interiorizando essa necessidade de nunca perder, de sempre ganhar, de serem o centro das atenções, para elas é insuportável ver que o outro tem uma característica que ela não tem.

A escola pode ser um ambiente disparador da tendência violenta?

Sim, infelizmente a escola é uma ambiente extremamente competitivo, que pode pressionar o adolescente de alguma forma, despertando atitudes violentas.

Porque é tão difícil falar de bullying?

A vítima muitas vezes não leva esse problema à diretoria da escola ou para casa, por medo, para não sofrer mais abusos e acaba se fechando. É como se houvesse um pacto do silêncio.

Quais os casos mais comuns que chegam no seu consultório?

São os de adolescentes que começam a ser “zoados”, por meio de críticas, de frases depreciativas, porque engordaram mais do que deveriam, ou porque têm o cabelo anelado, em resumo elege-se uma característica do adolescente que difere da maioria para ser o foco da “zoação”. O adolescente então toma uma posição de isolamento, de não querer participar e aí está aberto um caminho para depressão, especialmente dos indivíduos que já estão no processo de baixa auto-estima. Vale dizer que da depressão para as formas de suicídios parciais ou totais é um caminho relativamente curto.

A senhora acredita que os professores estão preparados para identificar o bullying de uma brincadeira inocente?

Não, o que eu percebo é que a escola está começando a entender que o aluno que chega deve ser observado cuidadosamente, não apenas seu aspecto acadêmico, mas seu comportamento, sua relação com o grupo, porque aquele aluno não se enquadra, porque ele difere do grupo no modo de vestir, por exemplo. Do meu ponto de vista, os professores agora estão começando a despertar mais atenção não apenas para o lado acadêmico, mas também para o lado humano dos alunos.

Qual o papel da internet no bullying?

A internet é uma das primeiras armas do indivíduo que pratica bullying, é através dela que vão começar as primeiras ameaças, os primeiros constrangimentos.

Quais são as pistas que denotam que o adolescente está com problemas?

Os primeiros sinais são pequenos, o baixo rendimento escolar, a falta de concentração. Outro sinal é a falta de interesse pelo próprio corpo. Uma das características do adolescente saudável é a preocupação com o seu corpo, com a aparência. Então, a falta de preocupação com o físico, com a aparência, pode ser uma pista. Aqueles adolescentes que não têm amigos, que não conversam, que não querem sair a noite, que só ficam fechados no quarto no computador, também merecem atenção da família e dos professores.

Uma vítima de bullying hoje pode ser um agressor no futuro?

Sim, porque ele repete o modelo que lhe serviu de referência. Por exemplo, se eu tenho um pai opressor que sempre me castiga de forma violenta, quando eu não sou ouvido pelo outro, minha tendência é seguir aquele modelo, pelo qual fui ensinado dia a dia, e também agir com violência.

Adilia

Kesia

Viviane Araujo

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